terça-feira, setembro 27, 2005

Eterna Canção
Música: António Rodrigues Vianna (1868-1952)
Letra: Júlio Dantas (1876-1962)
Incipit: Olho as nuvens doiradas pelos ares
Origem: Porto?
Data: 1ª década do século XX





Olho as nuvens doiradas pelos ares,
Breves como a ventura que perdi...
Olho estrelas do céu, ondas dos mares,
E só te vejo a ti!...
.
Oiço os campos onde a água é um lamento,
E a voz d'oiro das aves canta e ri...
Oiço uivar os pinhais, gemer o vento
E só te escuto a ti!...

Tudo: nuvens, estrelas, céu profundo,
Tudo se me turvou, quando te vi...
E não hás-de ser tu todo o meu mundo,
Se eu só te adoro a ti!

Canta-se o 1º dístico e repete-se; canta-se o 2º dístico e apenas se bisa o último verso.
Canção musical de tipo estrófico, em compasso binário simples e tom de Ré Menor, onde o 4º verso de cada copla funciona como uma espécie de estribilho que o cantor bisa para acertar a métrica.
Esta canção foi editada na brochura "Canções Portuguezas. Versos escolhidos de Poetas Portuguezes. Musica de Antonio Vianna", Gand, A. de Vestel, sem data (2ª década do séc. XX?), integrada num lote onde figuravam "Regresso ao Lar", "Ao Rebentar das Seivas" e outras. Os poetas postos em música são Junqueiro, João de Deus, Alberto Bramão, Alfredo Guimarães, Casanova Pinto, Acúrsio Cardoso, Diogo Souto e Conde de Monsaraz.
O Dr. António Rodrigues Viana nasceu na cidade do Porto em 24 de Novembro de 1868, tendo falecido em Lisboa a 3 de Fevereiro de 1952. Formado pela Faculdade de Direito da UC em 1894, colaborou na parte musical da récita de quintanistas do seu curso, tendo-se dedicado à advocacia no Porto e em Lisboa, bem como à composição musical. Integrou os quadros dos jornais "O Século" e "Liberal", tendo produzido crítica musical no "República". Compositor prolíxo, deixou valsas conhecidas em Portugal e no Brasil. Numa primeira fase compôs valsas para a récita do seu curso ("O Senhor Pelides em Coimbra", estreada na noite de 5 de Maio de 1894). Numa segunda fase elaborou parte das canções editadas em solfas na Bélgica, correspondentes grosso modo ao caderno "Canções Portuguezas" I, II, III e IV. Nos finais da década de 1920, em 1928 e 1929, a cantora lírica Maria Emélia de Vasconcelos gravou na His Master's Voice grande parte do repertório de Viana. Em algumas das canções, Viana acompanha a sua cantora predilecta em violão de cordas de aço. Numa terceira fase, António Viana produziu canções com versos de sua própria autoria.
Como se pode facilmente constatar pelos títulos das composições e pelos textos seleccionados, Viana integra-se na corrente nacionalista/simbolista, de que fizeram parte homens da sua geração como António Nobre, Alberto de Oliveira e Antero da Veiga. A veia nacional-regionalista foi requentada pelos fervores gerados pelo Ultimato Britânico, dando origem a estas canções que pretendem afirmar-se como ternurentos bilhetes postais ilustrados onde desfilam camponeses, regressam emigrantes, chilreiam passarinhos, desabrocha a Primavera e se desfolha o milho. Eis um ideal estético ingenuamente regionalista que idealiza a vida rural (à época terrivelmente dura e sofrida, assente numa cultura de privações e numa economia de sobrevivência!), que teve traços comuns com os valores pregados pelo Estado Novo. Dizendo-se "portuguesas", no sentido em que pretendiam ser "regionais", estas canções são obviamente falsos produtos rústicos. O povo não vivia exactamente assim, conforme comprovam os estudos etnográficos coevos. As elites é que persistiam em querer ver o "povo" e o "popular" nestes produtos de fábrica urbana.
Os fascículos editados por Viana foram bem conhecidos em Coimbra, nomeadamente entre os serenateiros e no Orfeon regido pelo Padre Dr. Elias Luís de Aguiar. Um desses entusiastas era o barítono Artur Almeida d'Eça que também cantava "Pequenina", com versos de Álvaro de Castelões (Afonso de Sousa informa que Eça gravou essa canção que seria do próprio cantor. No entanto, a mesma figura na 2ª série de "Canções Portuguezas", Lisboa, Sassetti, seguramente dos anos 20, com capa de Stuart Carvalhais).
Júlio Dantas nasceu em Lagos, Algarve, a 19 de Maio de 1876 e faleceu na cidade de Lisboa no dia 25 de Maio de 1962. Formou-se em Medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Trabalhou como médico militar, inspector de bibliotecas e arquivos, professor de Arte Dramática no Conservatório de Lisboa, Ministro da Instrução, Ministro dos Negócios Estrangeiros, jornalista, tendo-se ainda distinguido como cronista de fastos do século XVIII, poeta e dramaturgo. Foi autor dos famosos textos "A Severa" (1901) e "A Ceia dos Cardeais" (1902). Politicamente foi sendo de cada um dos regimes em que viveu: monárquico, republicano e adepto do salazarismo. Era visto como um literato petulante, cheio de tiques, e como tal foi alvo de feroz ataque pelos modernistas do Orfeu, com Almada Negreiros à cabeça. A letra desta canção aparece transladada numa mensagem manuscrita de um postal ilustrado de 1914, postal esse reproduzido por Joaquim Vieira, "Portugal. Século XX. 1910-1920. Crónica em Imagens", Lisboa, Círculo de Leitores, 1999, pág. 153.
"Eterna Canção" foi primeiramente gravada pela cantora lírica Maria Emélia de Vasconcelos, no 78 rpm His Master's Voice 7-63112, a 29 de Outubro de 1928, com acompanhamento de violão aço e de violino, em Lisboa. Porém, não conseguimos aceder a este disco.
Tema gravado ao estilo de Coimbra pelo barítono Artur Almeida d'Eça, no 78 rpm Polydor P42.128, possivelmente em Lisboa, já no segundo semestre de 1929, com 1ª guitarra de 17 trastos de Albano de Noronha e 2ª guitarra de Afonso de Sousa. O arranjo de acompanhamento é de Albano de Noronha, sendo o tema interpretado escorreitamente. O cantor não respeita integralmente o texto original (que foi aqui transcrito) e na etiqueta do disco figura erradamente como autor da letra o Conde de Monsaraz D. António de Macedo Papança.
Ouvimos este disco pela primeira vez em casa da Dra. Mariberta Carvalhal, colega de curso do escritor Virgílio Ferreira e irmã do guitarrista António Carvalhal. Feito o translado para cassete, a pesquisa foi desenvolvida conjuntamente com o Coronel José Anjos de Carvalho. Agradecemos ainda à Dra. Mariberta Carvalhal e a José Moças.
Transcrição e edição on line: Octávio Sérgio (2005)
Pesquisa e texto: António M. Nunes e José Anjos de Carvalho.

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