domingo, dezembro 04, 2005

O Primeiro EP gravado por Barros Madeira
(Dúvidas que geram conversas)
Pesquisa e texto por José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

Após a edição on-line neste Blog, no dia 17/11/2005, do invólucro do EP “BALADA – Barros Madeira”, Porto, Rapsódia EPF 5.092, surgiram algumas dúvidas quanto a autorias de músicas e de letras, títulos, data de gravação, teor dos textos originais, que importam clarificar. Feito um pedido de esclarecimento, o Dr. João Barros Madeira adiantou-nos telefonicamente, em 25 de Novembro de 2005, que a gravação ocorreu em Coimbra, numa sala do edifício da Universidade, pelo ano de 1958. Por seu turno, José Anjos de Carvalho anotara nos seus ficheiros que a agravação teria sido realizada pelo ano de 1957. Foram realizados diversos telefonemas e postos a tocar velhos discos, com Barros Madeira, Octávio Sérgio, Jorge Tuna e Durval Moreirinhas a abrirem as arcas das lembranças.
Para os tira-teimas entendemos solicitar um esclarecimento escrito à EDISCO, herdeira do espólio documental da extinta Rapsódia. Para nosso agradável espanto, a amável representante da EDISCO, Sandra Cerqueira, respondeu-nos em 29/11/2005, esclarecendo que a gravação fora efectuada em Coimbra no dia 29 de Março de 1960, estando esta data muito próxima da que havíamos proposto na legenda do Blog (circa 1961).
Confrontados e cruzados os dados, optamos por incluir neste artigo os textos cantados pelo Dr. João Barros Madeira, mas não os tons do acompanhamento, uma vez que a audição em disco e em translado cassete, exigem um trabalho mais demorado e minudente.
No invólucro que editamos on-line neste Blog, proveniente de colecção particular do Dr. José Miguel Baptista, o rosto é inteiramente preenchido com uma vista aguarelada de Coimbra, figurando como título singelo “BALADA”. Na parte de trás constam o subtítulo “Barros Madeira”, a identificação dos instrumentistas, Jorge Tuna/Jorge Godinho (gg) e José Tito/Durval Moreirinhas (vv nylon), além de publicidade aos eps:

-“SÉ VELHA. GUITARRAS DE COIMBRA", Porto Rapsódia, EPF 5.93, ano de 1960, grupo de Jorge Tuna;
-“BALADA DO OUTONO”, Porto, Rapsódia, EPF 5.085, Março de 1960, José Afonso acompanhado pelo grupo de António Portugal;
-“FADO CORRIDO DE COIMBRA”, Porto, Rapsódia, EPF 5.094, ano de 1960, Casimiro Ferreira c/grupo de António Portugal.

A Rapsódia fez sair uma 2ª edição deste disco, talvez em 1963, com capa diferente da primeira. Na que possuímos, a aguarela ocupa apenas o canto inferior esquerdo da capa, sendo o restante espaço preenchido com “Barros Madeira” e os quatro títulos das peças em caracteres vermelhos. O título original, “BALADA”, passou para a parte de trás, figurando agora publicidade aos EP’s de Armando Marta (1963), José Afonso (Menino d’Oiro, 1963), Barros Madeira (Balada da Saudade, 2º EP, de 1962) e Casimiro Ferreira, 1960).
Na matriz discográfica ocorrem erros factuais que importa corrigir:
No tema N.º 1, o título original, Fado da Ansiedade, aparece encurtado para “Ansiedade”, sem quaisquer menções identificativas de textos;
No tema Nº 2 os dados estão relativamente correctos, pese embora a incorporação de uma 1ª quadra alheia ao original;
No tema N.º 3 há adulteração do título original, incorporação de letra alienígena de Bandeira Mateus, verificando-se ainda discrepâncias entre os dizeres da etiqueta e os constantes na contracapa. Na etiqueta são mencionados Bandeira Mateus (letra), Paulo de Sá (música) e Barros Madeira (sem motivo plausível), enquanto na capa cartonada são alinhados Bandeira Mateus e Barros Madeira;
No tema N.º 4, a etiqueta está correcta, mas na contracapa, além de Barros Madeira, alinhou-se desnecessariamente o nome de Paulo de Sá.
Duas destas gravações foram remasterizadas em compact disc, respectivamente “Ansiedade” e “Olhos Verdes”, no CD “Coimbra Tem Mais Encanto”, Porto, EDISCO, ECD 138, ano de 2000, faixas 6 e 9. A edição é meramente comercial, omitindo instrumentistas e mantendo os erros de autorias.
Relativamente ao trabalho de acompanhamento, saliente-se a presença das violas de cordas de nylon, confirmando-se quase em simultâneo nesses anos de 1957-1960 o pioneirismo de Durval Moreirinhas, José Tito Mackay, Paulo Alão e António Leão Ferreira Alves.
Jorge Tuna produz alguns arranjos de acompanhamento interessantes, sobretudo nas introduções e separadores. Nas partes cantadas, a tocata esmorece bastante e o cantor acaba por protagonizar uma marcação arrastada, sabido que uns e outros poderiam fazer bastante melhor. De certa forma Jorge Tuna revela desde cedo que entre o concertista e o acompanhador de cantores ia aquela diferença que Miguel Ângelo também colocava entre a pintura e a escultura.

1 – FADO DA ANSIEDADE
Música: Francisco Paulo Menano
Letra: 1ª quadra popular; 2ª quadra de Martinho Nobre de Melo

O mundo dá tanta volta,
Quem dera que fora assim,
E que numa dessas voltas
Tu viesses para mim.

Depois de Deus só é grande
O teu amor para mim;
Não é Deus por ter princípio,
Quase deus por não ter fim.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Canção musical estrófica monódica, retomada a partir da matriz efectuada na década de 1920 por António Menano. Este espécime constitui uma das velhas glórias de António Menano como cantor de Coimbra. Sendo já septuagenário, no dia 16 de Dezembro de 1967, dois anos antes da sua morte, António Menano ainda o interpretou com aplaudido sucesso na vernissage da Galeria Rodin do pintor Mário Silva.
António Menano gravou esta composição em Dezembro de 1929, em Berlim (Disco Odeon, LA 187 808b, master Og 1025). No disco vem a indicação de João Fernandes, à guitarra e Mário Marques, à viola, instrumentistas do Fado de Lisboa indicados pela editora. A gravação de António Menano encontra-se disponível em vinil (Álbum de Fados de Coimbra – António Menano, I Vol., disco 1, EMI-VC 2605983, editado em 1985) e em cassete e também em compact disc:
- Heritage, HT CD 31, da Interstate Music, editado em 1995;
- Arquivos do Fado/Tradisom, Vol. V, TRAD 012, cópia do anterior, editado em 1995;
- CD António Menano – Fados, EMI-VC 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995;
- Col. Um Século de Fado/Ediclube, CD N.º 1/Coimbra, EMI 7243 5 20633 2 1, editado em 1999.

O mesmo tema foi gravado em disco em 1960 por Augusto Camacho, acompanhado à guitarra por João Bagão e Fernando Xavier e, à viola, por António Leão Ferreira Alves (EP Fado do Mondego, Columbia, SLEM 2028).
No final da década de 60 viria também a ser gravado pelo cantor Manuel Branquinho, acompanhado à guitarra por si próprio e por Francisco Dias e, à viola, por Manuel Dourado (EP Ansiedade – Manuel Branquinho, Orfeu, ATEP 6405).
Gravado também por Luis Alcoforado, acompanhado por Paulo Soares/José Rabaça (gg) e Luis Carlos/Carlos Costa (vv), na cassete Praxis Nova, Canções de Coimbra, Porto, Fortes & Rangel, ano de 1989, Face A, Faixa n.º 5, com autoria atribuída a António Menano. Gravação remasterizada no CD “Praxis Nova. Percursos. Colectânea de Canções de Coimbra”, Porto, Fortes & Rangel, CDM 003, ano de 1998, faixa nº 3, persistindo o erro autoral.

Gravações disponíveis em compact disc de outros cantores:
- Tempo(s) de Coimbra, disco 1, EMI 0777 7 99608 2 8, comercializado em 1992 e novamente em 2005, a partir da antologia em vinil editada de 1984 (canta Alfredo Correia, acompanhado por António Brojo/António Portugal e Aurélio reis/Luis Filipe);
- Registo fadístico no CD Frederico Vinagre – Eternos Fados de Coimbra, MetroSom, CD 101, editado em 2000;
-Mário Gomes Pais, no CD “Coimbra é uma Saudade”, Coimbra AEMINIUM RECORDS, AE 002, ano de 2002, faixa nº 12, acompanhado por António Jesus/Carlos Jesus (gg) e Paulo Larguesa/Bernardino Gonçalves (vv), imputando erradamente a autoria a António Menano.

2 – FADO DA DESPEDIDA DO 5º ANO MÉDICO DE 1937-1938
Música: João Gonçalves Jardim
Letra: João Gonçalves Jardim

A minha capa velhinha
Quer o destino levar
Não me roubes meu amor…
(Ai2) Também o teu negro olhar.

Foram-se as fitas doiradas
Com elas minha ilusão
Findou minha mocidade
(Ai2) S’tá chorar meu coração.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Composição de tipo estrófico, com melodia e ais neumáticos banais, cantada na Récita de Despedida do 5º Ano Médico de 1938, cuja peça, intitulada “Gotas amargas… quantum satis”, foi levada à cena no Teatro Avenida em fins de Março de 1938 e repetida na semana seguinte, em princípios de Abril. A Récita tinha também uma balada com coro, da autoria de António da Silva Fonseca, música e letra.
A solfa foi editada nesse mesmo ano em folheto impresso na Lito-Coimbra e o compasso é quaternário. Nas gravações existentes a letra apresenta-se alterada: No mínimo o tempo verbal do verbo “querer” deixa de estar no presente do indicativo para passar para o pretérito perfeito (“Quis” em vez de “Quer”). Por vezes, «o teu negro olhar» é substituído por «o teu meigo olhar» e nem o incipit escapa às adulterações.
Barros Madeira não canta exactamente a letra original, pois introduz no lugar da 1ª quadra uma outra de autor não identificado e estropia o 2º dístico da 2ª quadra.
Eis a letra gravada por Barros Madeira:

Eu vou partir, vou-me embora,
Tão triste por te deixar
Mas as saudades que eu levo
(AI2) Hão-de fazer-me voltar.

Foram-se as fitas doiradas,
Com elas minha ilusão
Foi-se a minha mocidade
(Ai2) Está a chorar meu coração.

Este mesmo “fado de despedida” foi gravado por Augusto Camacho Vieira, acompanhado à guitarra por António Brojo e António Portugal e, à viola, por Aurélio Reis e Luis Filipe: CD “Coimbra na voz do doutor Camacho Vieira”, Discossete, ADD-CD 8640000, editado em 1992; disponível também em cassete.
Augusto Camacho é dos cantores que mais modificações introduz na letra, além da citada alteração da forma verbal. As alterações introduzidas por Augusto Camacho são: «Com ela teu meigo olhar», «Queimam-se as fitas doiradas» e «Vai-se embora a mocidade».
Outros cantores invertem a ordem das quadras e até o incipit surge adulterado para “Minha capa tão velhinha”.

3 – OLHOS VERDES
(UM FADO DE COIMBRA)
Música: Paulo de Sá
Letra: Francisco Gregório Bandeira Mateus

Teus olhos verdes, gaiatos,
São mais profundos que o mar;
Espelhos dum coração
Que escondes do meu olhar.

Teus olhos da cor do mar
São duas ondas serenas,
Duas velas dum altar
Onde rezo as minhas penas.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Informação complementar:
Na 1ª copla, ao 3º verso, o intérprete vocaliza «dum coração» embora se entenda que para bem cantar deveria dizer «de um coração», como se fosse um ditongo crescente «deum». Na 2ª quadra, ao 3º verso, não diz «do altar» mas sim «dum altar».
Com o mesmo título e as mesmas quadras de Bandeira Mateus, este velho clássico foi gravado por Manuel Branquinho, acompanhado à guitarra por si próprio e por Francisco Dias e, à viola, por Manuel Dourado (EP Balada do 6º Ano Médico/1958, Orfeu, ATEP 6409, ano de 1968).
Gravado também com a mesma letra por Carlos Costa, cantor activo na região do Porto, acompanhado à guitarra por Joaquim Martins, Armando Martins e Luis de Sousa e, à viola, por José Martins e Aníbal Ramos (EP Carlos Costa – Olhos Verdes Gaiatos, Ofir, AM 4.228 e LP Fados de Coimbra – Carlos Costa, Ofir, MAS 324).
A música é sempre a do clássico tema de Paulo de Sá, mais conhecido por Um Fado de Coimbra, por vezes designado também por “Nossa Senhora da Graça”. A presente melodia foi gravada inicialmente sob o título Fado da Mágoa (Fiz uma cova na areia) na Primavera de 1928, em Lisboa, por António Menano, que inicia o canto no tom de Sol (discos Odeon, 136819 e Odeon, A136819, master Og 691). Gravação disponível em vinil (Álbum António Menano, II volume, EMI-VC, Disco 1, Face B, faixa 3, editado em 1986) e em compact disc: António Menano – Fados, EMI-VC, volume II, editado em Dezembro de 1995.
António Menano canta as seguintes três quadras populares:

Fiz uma cova na areia
Pra enterrar a minha mágoa:
– Entrou por ela o mar todo,
Não encheu a cova d’água.

Tu de longe e eu de longe,
Tu sozinha e eu sozinho;
Oh quem pudesse, ai, fazer
Uma prega no caminho.

Cerejas frescas, vermelhas,
Suspensas pelos caminhos,
Sois os brincos das orelhas
Das filhas dos pobrezinhos.

Gravado sob o título Fado de Coimbra, tout court, e com uma outra letra em Setembro de 1929 por Armando Goes, acompanhado à guitarra por Albano de Noronha e Afonso de Sousa (Disco His Master’s Voice, E.Q. 254). A 1ª quadra que canta é popular e a 2º é de António de Sousa. O que é interessante e muito curioso é que o barítono Armando Goes gravou dois tons acima do tenor Barros Madeira e meio-tom acima de António Menano.

Nossa Senhora da Graça,
Que tantos milagres fazes,
S‘tou de mal com meu amor,
Senhora, fazei as pazes.

Falas de amor só as sabem
Os cegos de olhar profundo;
Há palavras que não cabem
Em toda a luz deste mundo.

O cantor António Bernardino efectuou um registo desta composição na década de 1960 e outro na antologia vinil de 1984 “Tempo(s) de Coimbra”. A 1ª gravação ocorreu num Ep Alvorada, do ano de 1966, com António Portugal/Manuel Borralho (gg) e Rui Pato (v nylon). A autoria da música está indicada correctamente, mas não a letra, no caso vertente atribuída a António Menano. Registo remasterizado no duplo CD “Serenata Monumental”, Lisboa, Movieplay, MOV 30.487 A, ano de 2003, faixa nº 15 do disco 1. A letra interpretada por Berna é a herdada da versão Armando Goes, com as coplas “Nossa Senhora da Graça” (popular) e “Falas de Amor só as Sabem” (António de Sousa). A 2ª gravação, realizada a propósito do programa televisivo da RTP “Tempo(s) de Coimbra”, em 1983, foi posteriormente vertida na monumental antologia vinil com o mesmo título. Na 2ª e derradeira edição vinil, comercializada em 1990, o tema de Paulo de Sá ocorre no LP Nº 1 “Do princípio do século ao fim dos anos 20”, Lado A, faixa nº 4, EMI- Valentim de Carvalho 2603833 com arranjo de António Brojo, e acompanhamento por António Brojo/António Portugal (gg) e Aurélio Reis/Luís Filipe (vv). A autoria da letra é erradamente imputada a Paulo de Sá.
A versão fonográfica de António Menano (título e letra) foi retomada pelo malogrado cantor Raul Moreira Dinis (m. 07/11/2001), no CD “Coimbra de Sempre”, Lisboa, Discossete, CD 971000, ano de 1993, faixa nº 5, acompanhado por António Ralha/Jorge Gomes (gg) e Manuel Dourado (v nylon), numa escorreita interpretação de barítono.

4 – BALADA
Música: João Barros Madeira
Letra: João Barros Madeira

Adeus, amor, vou partir,
(Ai2) Adeus, amor, vou-me embora
Levando a boca a sorrir
Enquanto a minha alma chora.

E quando o terço rezares,
(Ai2) Pede a Nossa Senhora
Que me dê o seu favor
E me traga sem demora.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e, a seguir, repete-se o 1º dístico.
Informação complementar:
A melodia interpretada por Barros Madeira comporta trechos classizantes, facto que torna a audição pouco convidativa. A 2ª quadra não apresenta um sentido claro, por falta de complemento. Com o título modificado para “Adeus, Adeus Vou-me Embora”, este espécime foi gravado com alterações da letra por Carlos Costa, cantor activo na região do Porto, acompanhado à guitarra por Joaquim Martins, Armando Martins e Luis de Sousa e, à viola, por José Martins e Anibal Ramos (LP “Fados de Coimbra – Carlos Costa”, Ofir, AMS 324). No disco vem a indicação «D.R.» indicativa de Direitos Reservados ou, por outras palavras, de desconhecimento dos autores da música e da letra.
A versão fonográfica de Carlos Costa é a seguinte:

Adeus, adeus, vou partir,
(Ai2) Adeus, adeus, vou-me embora,
Levando a boca a sorrir
Enquanto a minh’alma chora.

E quando o terço rezares
(Ai2) Pede a Nossa Senhora
Que me faça cá voltar
E que não deixe ir embora.

Carlos Costa, no final da 2ª quadra, em vez de repetir o 1º dístico desta quadra, repete mas é o 1º dístico da 1ª quadra.

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