domingo, março 19, 2006

Canção de Coimbra / Reflexões ( I )



José Mesquita*

Em jeito de preâmbulo a estes textos sobre a Canção de Coimbra entendemos dever avançar algumas informações que ajudarão os potenciais interessados a compreender melhor, não só o”formato” dos artigos, mas também as motivações que incentivaram a sua elaboração, as opções e/ou interpretações neles contidas, enfim, a postura do Autor, nesta matéria. Assim :

O Diário de Coimbra, considerando de interesse o tema em análise, aceitou a sua publicação, pelo que lhe agradecemos esta pronta disponibilidade. Por razões relacionadas com a “formatação”,específica para cada Jornal, o trabalho ( originalmente elaborado com outro fim…),depois de revisto, ampliado e reorganizado, deu origem a esta série de artigos de opinião que agora “vêm a lume”…O conteúdo, corresponde, na sua essência, a uma palestra proferida num Colóquio sobre a Canção de Coimbra (Casa da Cultura, 9/7/05, Coimbra) para o qual fomos convidados a colaborar pela Grupo de Guitarras de Coimbra -“Associação Coimbra, menina e Moça”. A sua publicação, agora concretizada, vem na sequência de um pedido feito nesse sentido, na referida sessão…
A abordagem do tema que nos foi proposto (“A poesia e os poetas na Canção de Coimbra” ) não sendo, como é óbvio, uma análise literária, incidirá noutras vertentes, nomeadamente a das relações da poesia com a componente musical da Canção de Coimbra.
A nossa análise, as nossas opiniões e/ou interpretações têm uma base essencialmente empírica, despida, portanto, de qualquer tentativa de investigação académica, para a qual, aliás, nesta área, nunca nos sentimos muito motivados, sem que esta “descrença” (porventura infundada...) diminua o apreço pelos trabalhos já realizados ou que venham a ser efectuados neste domínio….
A inclusão de algumas “imagens” nos textos foi-nos sugerida pelo Diário de Coimbra e mais não significa do que a “evocação de momentos “ ou “ilustração de factos”, relacionados com o autor e seus companheiros, na divulgação da Canção de Coimbra, ao longo de mais de cinquenta anos.

Tivemos o privilégio de “contactar”, directa ou indirectamente, com as, assim denominadas, duas «gerações de oiro” do Fado de Coimbra . Com a 1ª geração, através dos frequentes relatos de meu Pai que nunca se cansava de evocar os “ídolos”do seu tempo de Coimbra ; com a 2ª geração, pela nossa própria vivência, pois estudámos na ”Lusa Atenas” nos anos 50 e, na sequência da nossa ligação académica à Universidade, não mais abandonámos esta cidade … O nosso interesse, a nossa «paixão» por esta faceta cultural da urbe Coimbrã – a Canção de Coimbra – remonta assim, como acima referimos, há mais de meio século … Acresce ainda que fomos também parte activa no retomar desta tradição académica, após o período conturbado que se seguiu à revolução de Abril de 74, não mais deixando de a “praticar”, desde então... Daí a justificação para o tal conhecimento empírico, vivencial, atrás invocado, e que, voltamos a acentuar, constitui o suporte fundamental destes textos, complementado embora por alguma (escassa) leitura documental …
Dividiremos então o tema que nos propusemos abordar em dois pontos fundamentais :
1. A diversidade temática e estilística da poesia na história da Canção de Coimbra.
2. A poesia nas suas relações com as componentes musical (melódica/harmónica) e/ou interpretativa da Canção de Coimbra.

A diversidade temática e estilística da poesia na Canção de Coimbra


Em termos gerais, a componente poético-literária na Canção de Coimbra, não tem nem nunca teve um estilo bem definido e constante, antes primando pela sua heterogeneidade, seja na forma, seja na temática …
Quanto à forma, podemos dizer que o género poético mais frequente tem sido sem dúvida a quadra, ou não fosse ela o suporte letrístico do chamado “ fado tradicional “…
Seja singela e popular, extraída do cancioneiro, ou cuidadosamente elaborada e oriunda de fontes mais ou menos eruditas, a quadra aparece em todas as épocas da história do fado de Coimbra. Apesar desta predominância, outras formas poéticas ou estilos vão emergindo na vertente literária da canção de Coimbra, nomeadamente o soneto, sendo importante assinalar que, contrariamente ao que por vezes se pensa, esta categoria estilística, já marcava presença nos anos 20-30 do século passado. Basta recordar as inolvidáveis baladas e canções compostas por D. José Pais de Almeida e Silva para sonetos de António de Sousa (“Noite de luar”) , António Sardinha (“Dobadoira”) , Marques da Cruz (“Rezas à noite”), sem esquecer a célebre “Balada de Encantamento”,todas elas interpretadas por algumas das vozes de ouro de seus contemporâneos, como Armando Goes ou Edmundo Bettencourt.
Quanto à temática, pode dizer-se que a vertente amorosa, o lirismo, predominam , em paralelo com a quadra, reconhecendo-se logo nas origens e mantendo-se até aos nossos dias (embora com alguns “ sobressaltos de percurso “…) o que, segundo José M. Beato[1] encontrará explicação no facto da “ emergência do fado de Coimbra, enquanto género musical autónomo, ter ocorrido nos finais do séc. XIX, quando o romantismo, embora tardio, ainda pontificava no nosso País»( fim de citação ). Concordamos com José M. Beato quando diz «ser difícil, aventuroso até, remetermos a história da poesia ligada ao fado de Coimbra para a história da poesia em geral ou História da literatura portuguesa» (1).
(1) Relativamente a esta questão, remetemos o leitor para o DVD (História do Fado de Coimbra , Ed. Estem Losango, 2004) onde, entre outras intervenções, o tema é abordado pelo Dr. José Manuel Beato, com a qualidade que, normalmente e muito justamente, lhe é reconhecida. Por isso, a nossa breve exposição sobre esta matéria específica assenta, em grande parte, no seu testemunho, com o qual, aliás, concordamos na generalidade, isto, obviamente, sem prejuízo de alguns comentários que julgamos pertinentes e dos quais,mais adiante, daremos conta.
De qualquer modo, e embora a heterogeneidade poético-literária seja uma constante na história do fado de Coimbra, isto não quer dizer que não tenham surgido períodos mais facilmente caracterizáveis, seja pelo predomínio de um determinado estilo e renome dos seus protagonistas, seja pela renovação (“arejamento”) que trouxeram ao discurso literário da Canção de Coimbra …, na sua vertente académica
Assim, continuando a referir José M. Beato (1), poderão considerar-se 3-4 momentos renovadores neste discurso literário:
1. O primeiro, com E. Bettencourt, quando, e passamos a citar, “numa atitude interpretativa e de subversão dos temas tradicionais, pretendeu reconduzir o fado de Coimbra ao modernismo presencista, substituindo o discurso romantizado prevalecente na época” (fim de citação). Era o contraponto de E. Bettencourt a António Menano, com temas como os Olhos Claros, Mar alto, Saudadinha, Senhora do Almortão, etc. etc.
2. O segundo período será o bem conhecido momento de intervenção, com os poemas de Manuel Alegre, onde os temas da resistência e liberdade são fonte de inspiração às trovas e baladas de António Portugal e Adriano Correia de Oliveira. É o tempo de “Flores p’ra Coimbra”, “Trova do Vento que passa”, “Rosa negra, capa negra” e tantas outras.
3. O terceiro momento surge com a poesia de Leonel Neves e Luis Goes, indissoluvelmente ligada às suas canções e à música de seus colaboradores João Bagão, João Gomes, António Toscano que, como é unanimemente reconhecido, protagonizaram um marco único e imperecível na história do canto coimbrão no séc. XX, independentemente daquele discurso literário ser identificado como um “neo-modernismo” ( Jorge Cravo ) ou como uma “critica da modernidade enquanto tal”, na interpretação de José M. Beato (1).
Por fim, acrescenta este estudioso e cultor do fado de Coimbra: “Actualmente vivemos muito em Coimbra a tendência para trazer ao universo do fado/canção de Coimbra toda a grande poesia, a poesia dos grandes vultos da literatura portuguesa. Assim vemos gente que procura musicar poemas de Eugénio de Andrade, Ary dos Santos, Fernando Pessoa ...” ( fim de citação ) .
No próximo artigo concluiremos as reflexões sobre este ponto.

(1) “História do Fado de Coimbra” ( DVD ) estem LOSANGO 2004

* Cultor da”Canção de Coimbra “e adepto da sua renovação. Embora muito “ligado” a esta tradição académica (canto) desde os seus tempos de estudante, na década de 50, só começou a compor em 1978, recorrendo, na vertente poética, aos grandes vultos da poesia portuguesa.Conta vinte e seis temas registados na Sociedade Portuguesa de Autores( SPA),entre fados e/ou canções de matriz coimbrã.

DISCOGRAFIA

Canções de Coimbra (1978)
LP edit.VADECA/Roda estereo(SSRL-9000)

Fados e Baladas de Coimbra(1979) LP edit.VADECA/Roda estereo(SSRL-9001)

Coimbra dos Poetas (1979) LP edit. Fotossonoro (Edison)

Ecos da Canção Coimbrã (1987) - Polygram Discos, S.A. (Philips) ( Reedição em CD-1996/532339-2)

Coimbra dos Poetas (II)/Coimbra das Canções Trovas e Baladas (1999) CD duplo,dist. Loja da Música

Colaborações:

Tempo(s) de Coimbra-oito décadas no canto e na guitarra (colab.) (1985).Colectânea de 6 LP`s-EMI Valentim de Carvalho (Reedição em CD,1992)

Um século de Fado (Fado de Coimbra) (colab.) José Niza /Ediclube (1999)

O Fado do Público, nº7, Fados e Baladas de Coimbra, Edições de Arte,SA(2004)

Compilações :

Fados e Baladas de Coimbra –Vidisco (11.80.1208) (1992)

Fados e Baladas de Coimbra - Vidisco (11.80.8299)

Série“O melhor de…”( nº 2) (Duplo CD) Universal Edit

N.B. Colaboraram nestas gravações os seguintes instrumentistas, por ordem cronológica :
António Brojo, Jorge Gomes, Aurélio Reis, Manuel Dourado, António Portugal, Luís Filipe, Octávio Sérgio, António Sérgio, Durval Moreirinhas, Carlos Jesus, Humberto Matias. Manuela

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