sexta-feira, setembro 29, 2006


Martins de Carvalho (Pai) Posted by Picasa
Retrato de Joaquim Martins de Carvalho (Coimbra, 19/11/1822; idem, 18/10/1898). Marcado pela orfandade e pela impossibilidade de prosseguir estudos, Martins de Carvalho é bem o exemplo do auditodidacta liberal letrado que deu o melhor da sua existência ao coleccionismo de periódicos e livros. Utilizou o jornalismo, particularmente "O Conimbricense", de que foi director e redactor principal entre 1856-1898, como instrumento de ilustração dos cidadãos e de busca dos valores cívicos. Na fase final de vida, desencantado com a monarquia liberal, transitou dos valores vintistas e patuleios de juventude para o ideário republicano.
Chegou a trabalhar como latoeiro, e participou activamente no movimento da Patuleia, envolvimento que lhe motivou prisão no Limoeiro (1847). A partir de 1851 dedicou-se a tempo inteiro ao jornalismo, primeiro como colaborador do "Liberal do Mondego" e do "Observador", passando ulteriormente para "O Conimbricense".
Martins de Carvalho foi um arauto da instrução do operariado através da disponibilização de actividades recreativas e de instrução como o teatro, o associativismo profissional, o filantropismo e as leituras baseadas no jornalismo esclarecido. O jornal foi concebido como a ágora onde os candidatos a cidadãos instruídos poderiam beber orientações para a consolidação da cidadania. No Portugal oitocentista, cidade de Coimbra incluída, pululavam costumes considerados grosseiros como escarrar na via pública, andar descalço, urinar na rua, praticar descantes e ruídos ao longo da noite, provocar e insultar vizinhos, brigas entre estudantes e populares, a criminalidade violenta e o bandoleirismo muito associado à instabilidade política e à incapacidade de policiamento provincial por parte do governo central.
Martins de Carvalho serviu-se do jornalismo para denunciar em linguagem dura e desassombrada todos os costumes que do seu ponto de vista deveriam ser banidos, porquanto suspeitos de incivilidade. E nas suas campanhas em prol da boa educação e das boas maneiras, Martins de Carvalho não hesitava em zurzir a orgulhosa Academia de Coimbra, denunciando certas praxes, provocações aos populares, rixas, latadas e troças. Arreliados com as campanhas de Martins de Carvalho, os estudantes da geração de Trindade Coelho (década de 1880) fizeram-lhe latadas de escárnio e baptizaram-no com a alcunha de "Lord Latas".
Mas as tricas entre os estudantes e Martins de Carvalho não passavam de arrufos sem importância. A Academia, em geral, respeitava e admirava profundamente o valor e o talento do jornalista isento e instruído que se havia transformado num símbolo vivo da cultura popular coimbrã liberal (o outro símbolo era Adelino Veiga, este assumidamente republicano). Estudante que quisesse um livro raro, uma revista inacessível, um qualquer jornal, uma rápida impressão tipográfica, batia à porta de Martins de Carvalho a qualquer hora do dia ou da noite. A comprovar esta estima, em 19 de Novembro de 1888, um grupo de estudantes editou o jornal "Preito Académico", em homenagem aos activos 66 anos de Martins de Carvalho. Tendo em conta que se tratava de um autodidacta, Martins de Carvalho estava inteiramente sintonizado com as campanhas cívicas que nesse tempo se desenvolviam intensamente no resto do mundo ocidental.
"O Conimbricense" não se limitou a noticiar os acontecimentos internacionais, nacionais e regionais. Quem quiser conhecer os batalhões académicos, os teatros, as filarmónicas, os arraiais, a imprensa periódica, as festividades religiosas, a vida académica, a criminalidade, as lutas liberais, a maçonaria, o associativismo estudantil, o trajo académico, tem de passar obrigatoriamente pelo "O Conimbricense". Se foi acima de tudo um jornalista votado à à causa da liberdade de imprensa e à democratização da leitura, Martins de Carvalho também cultivou o panfletarismo, a denúncia cívica, a defesa da paz social e a história. As suas crónicas sobre a história da Academia de Coimbra e história local são de um rigor exemplar.
Martins de Carvalho (Pai) é um oitocentista fascinante, símbolo do individualismo cívico, homem da palavra democratizada, da leitura deleitada e da escorreita escrita, que não cessa de convidar os candidatos a investigadores para o aconchego da sua recheada "tipografia". Quem o redescobre?
AMNunes

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