segunda-feira, março 19, 2007


O chumbo de José Dias Ferreira (Doc. C)Posted by Picasa
Caricatura de Francisco Valença, alusiva à reprovação com que a Faculdade de Direito da UC fulminou o candidato a provas de doutoramento José Eugénio Dias Ferreira nos dias 27 e 28 de Fevereiro de 1907.
Sendo o candidato assumidamente republicano, constou de vésperas em círculos académicos restritos que o júri se preparava para chumbar Dias Ferreira com favas pretas. Asssim veio a acontecer, com grande escândalo da Academia, do Partido Republicano e da imprensa afecta aos ideais republicanos. A arbitrariedade administrativa dos lentes da Faculdade de Direito foi interpretada como símbolo de obscurantismo, e atentado à liberdade de pensamento, qual reflexo de conivência entre a UC e a Monarquia/Governo de João Franco.
Seguiu-se uma greve que rapidamente alastrou ao ensino superior de Lisboa e Porto, grandemente secundada no ensino liceal, com João Franco a ordenar o encerramento da UC em 2 de Março, e o Conselho de Decanos da UC a expulsar 7 alunos. Encerradas as aulas e cercada a UC por um contingente militar, os meses de Março e de Abril foram alvo de extensos relatos de imprensa. A ordem do dia nas Cortes não deixou de reflectir os incidentes conimbricenses.
A caricatura de Valença assume um tom de denúncia, propondo o candidato reprovado a varrer para a barrica do lixo os lentes prepotentes. Uma vez mais, e de acordo com as representações culturais republicanas, a Borla (=barrete) doutoral é comparada ao "apagador do senso comum" ou vassoura que atrofia o conhecimento.
O chumbo de Dias Ferreira constituíu um acto de prepotência e arbitrariedade administrativa por parte dos três lentes de Direito que massacraram o candidado. Alunos de diversas sensibilidades que assistiram aos dois dias de examinações, foram unânimes em considerar o procedimento dos jurados como um autêntico linchamento. Ao apresentar-se a provas de doutoramento, Dias Ferreira não explicitou se tinha em mente candidatar-se a uma futura vaga no corpo docente da Faculdade de Direito. O facto é que os lentes examinadores não estavam dispostos a admitir tal possibilidade e trataram de o chumbar.
A Crise de 1907 não foi iniciada pelo Partido Republicano, mas o ideário republicano acabou por moldar o curso dos protestos, tendo precipitado para as hostes republicanas inúmeros jovens indecisos. Muitos republicanos prestes a conquistarem o poder viam em Teófilo Braga um patriarca espiritual e Teófilo tinha por hábito lembrar frequentemente aos seus admiradores que a Faculdade de Direito o tinha repelido da cátedra em 1871.
A Crise Académica de 1907 atinguiu proporções nacionais, tendo afectado o ensino superior e liceal. A inabilidade do 1º Ministro João Franco para compreender os protestos juvenis fez precipitar o endurecimento das manifestações oposicionistas, a poda à liberdade de imprensa e o regicídio. Alguns estudantes de Coimbra da ala radical do Partido Republicano e outros afectos ao pensamento anarquista mantinham ligações com a Carbonária. De 1907 para 1908 deslocaram-se com frequência a Lisboa, tendo participado nos preparativos do regicídio e os que ainda permaneciam na UC à data da Revolução de 05 de Outubro de 1910 constituiram a Falange Demagógica. Os falangistas, inspirados na Tomada da Bastilha e na decapitação de Luís XVI, assaltaram o Paço das Escolas em 17/10/1910 deixando atrás de si um rasto de destruição. O lente Teixeira de Abreu, que fora Ministro da Justiça do Governo de João Franco durante a Greve Académica de 1907, escapou de ser executado pelos falangistas nesse dia 17.
A Crise Académica de 1907 teve dimensão nacional, afectou a velha UC e o os alicerces da Monarquia Constitucional. Precipitou o assassinato do Rei D. Carlos I e a queda da 1º Ministro João Franco. Fez engrossar a militânicia republicana e apressou a Revolução de 1910. Esteve em grande parte na origem das profundas reformas levadas a cabo na UC em 1910-11, como a abolição dos cerimoniais católicos, a extinção da Fac. de Teologia, a criação da Fac. de Letras, a fundação de novas universidades em Lisboa e no Porto, a abertura de uma Fac. de Direito em Lisboa e a abolição da obrigatoriedade do porte diário de uniforme escolar.
Em muitos aspectos, a Crise Académica de 1907, cujo 1º centenário se relembra (apesar de injustamente esquecida nos meios estudantis conimbricenses), foi mais importante do que a Crise Académica de 1969.
Fonte: "História da República", Lisboa, Editorial O Século, 1960, imagem anexa à p. 270. Estas três imagens já tinham sido editadas no Blog em 28/09/2006.
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