domingo, fevereiro 18, 2007

Elos para uma abordagem dos Trajos Académicos (V)
A Virgem com o Menino ao colo é um tema plurissecular na arte sacra ocidental. O surpreendente Jean Fouquet abordou o assunto no Díptico de Melun (ca. 1452-1455), emprestando a Maria o rosto de Agnès Sorel. Fouquet desenha uma dona tardo-medieval de seios opulentos, pele marmórea como era próprio dos estratos sociais elevados e vestuário rico, não omitindo sequer o detalhe da testa rapada à navalha. O conceito de pudor na Idade Média não abarcava o seio desnudo quando em contexto de amamentação, costume que se prolongou na cultura portuguesa até ao século XX.
O cenário e adereços seleccionados por Fouquet deixam escapar informações dignas de reparo. Um desses pormenores mostra o trono da Virgem adornado com borlas de ouro, pérolas e franjados. Outro, bem mais interessante, regista um cinto confeccionado à base nós e rosetas, com uma solução ornamental idêntica à adoptada nos capelos dos cónegos portugueses e no peito da beca consagrada em 1856 para uso das Escolas Médico-Cirúrgicas.
Este ornato não ocorre nas becas judiciárias/ou universitárias belgas, francesas, espanholas, como também não o detectámos até ao presente em qualquer figuração da beca dos juízes portugueses.
Uma influência plausível, e já aventada, seria a transmigração dos alamares à hussardo, bastante usados em casaquinhas femininas e em casacos masculinos civis no período 1840-1860. As representações portuguesas da toga de advogado são escassas para os períodos anteriores a 1900 e o desenho-base guardado na sede da Ordem dos Advogados não se pode considerar elucidativo. Basta lembrar aqui que alfaiates conimbricenses de grande gabarito como o Sr. Quaresma, com oficina junto às escadinhas da Portagem (activo até meados da década de 1990), não confeccionavam a toga conforme o desenho-padrão da Ordem dos Advogados, optando outrossim por não cortar o pano no peito e por um tipo de manga tubular rematada em canhão de setim e botões.
Admitindo que o modelo mais comum seria o da toga preta talar inteiriça com botõezinhos frontais, manga de boca de sino e pala dorsal, conforme a caricatura de Manuel de Arriaga por Bordalo Pinheiro no "Álbum das Glórias", é preciso não perder de vista uma representação-variante muito rara, presente num postal ilustrado de propaganda republicana a Afonso Costa. Nesse postal, Afonso Costa é figurado com toga preta talar de advogado, nela se vendo distintamente o peito ornamentado com rosetas negras. Esta variante, raríssima, ainda foi avistada em 2007 num advogado português.
AMNunes

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