sábado, fevereiro 24, 2007

Imagens da Indumentária Estudantil em Salamanca
(Soslaios entre Coimbra e Salamanca)
Por António Manuel Nunes

Até aos inícios do século XVI não existiu na Universidade de Salamanca (USAL) uma indumentária discente padronizada em cores e figurino(s)[1]. Os estudantes clérigos envergavam as túnicas talares, cogulas, capas, capelos e coberturas de cabeça especificadas nas regras monásticas das respectivas ordens (clero regular). Os escolares ligados ao clero secular vestiam-se segundo os normativos canónicos especificados para as situações eclesiásticas em que se achavam integrados.
A necessidade de um vestuário académico apto a diferenciar a corporação universitária face aos mesteirais, mercadores, cambistas, vereadores municipais, alcaides, militares, confrarias, conventos e catedrais, emergiu lentamente, na passagem do século XV para o século XVI.
Ao adoptar um uniforme discente próprio, as universidades ibéricas não se propunham igualitarizar os estudantes no tocante ao pulsar do quotidiano interno da instituição, mas sim distinguir a corporação face ao mundo exterior. Os estudantes continuavam a distinguir-se entre si pela qualidade dos padrões dos tecidos, acessórios e adornos e qualidade de vida.
O mundo cristão Ocidental vinha a assistir ao encurtamento dos trajos talares masculinos, fruto de modismos que deixavam ver pernas, coxas e nádegas, acentuando a linha de cintura e os ombros. Diversas autoridades eclesiásticas levantaram voz contra os escândalos vestimentários aportados pelo gibão curto de modelo X, com a sua bainha curta, cintura estreita e ombreiras enchumaçadas[2].
Na transição para o século XIV regista-se na Europa uma cisão vestimentária definitiva, de triplo alcance: 1) o vestuário que desde as civilizações antigas evoluíra muito lentamente, começa a reflectir ciclos de modas marcados pela crescente busca da novidade e consagração da excentricidade; 2) as vestes masculinas e femininas operam uma pronunciada ruptura, prevalecendo as bainhas talares na indumentária feminina e as bainhas pelo joelho ou coxa nas masculinas; 3) o progressivo encurtamento das vestes masculinas confina rapidamente os hábitos talares ao clero regular e secular, bem como aos juristas, altos funcionários de Estado e corporações universitárias.
O apego às plumas, peles, recortados de mangas, debruns, golpeamentos de mangas, meias e sapatos, bainhas curtas, ornatos a fio de ouro e prata, apliques de pedrarias, conduziu as autoridades reitorais e o poder régio à publicação de repetidas ordenanças de teor restritivo.
Nos “Estatutos” do Studium General português, solenemente jurados na Sé Catedral de Lisboa em 16 de Julho de 1431, impunham-se aos bacharéis, licenciados, mestres e lentes o porte de Hábito Talar roçagante e aos estudantes o uso de hábitos talares de corte e cores decentes com bainhas pela meia perna.
Nos “Estatutos Manuelinos”, apresentados à Universidade em Lisboa por El-Rei D. Manuel I, exige-se que o bedel confisque aos estudantes quaisquer armas defensivas ou ofensivas e insiste-se na “honestidade dos vestidos”. Ficavam interditos pelotes e gibões curtos, bem como cores vivas (encarnado, amarelo, verde, ornatos a ouro) nos capuzes, barretes e demais vestes[3].
A regulamentação manuelina reforça-se ao longo de todo o século XVI, já com a Universidade instalada em Coimbra, através de instrumentos como a Ordenança do Rei D. João III (1539) e da letra dos sucessivos “Estatutos”. Predominam agora as lobas escuras, os mantéus talares com ou sem capelo, os barretes de copa armada e os chapéus de alguidar (sombreiros), espelho da crescente afirmação de uma imagem de austeridade que se acentua nas universidades ibéricas após o Concílio de Trento e no protocolo das cortes de Lisboa e de Madrid.
Pesadas multas interditam os punhos de renda, as golas de rendas e canudos, os tecidos de seda, setim e veludo, as meias-calças multicolores, os tons fortes como o verde, o vermelho, o amarelo, o laranja, os golpes nos sapatos, meias, calções e mangas. Cores sóbrias, ainda admitidas em Salamanca e Coimbra no início do século XVI, como o castanho e o pardo, recuam perante o triunfo do preto. Os viajantes italianos, franceses e sobretudo ingleses que visitaram a Península Ibérica no século XVII, registaram este excesso visual de negritude vestimentária consagrado pelo clero, docentes e estudantes universitários e fidalguia desde o reinado de Filipe II.
A necessidade de erradicar a moda laica do universo vestimentário académico, não se confinou às universidades ibéricas do século XVI. Por todo o Portugal continental e insular quinhentista proliferaram normativos episcopais designados por “Constituições Sinodais”, onde figuravam títulos idênticos aos positivados nos “Estatutos” universitários. De acordo com as disposições assinadas pelos bispos, o clero diocesano ficava obrigado ao porte de loba talar escura abotoada (cerrada), sendo interditas vestes civis curtas como pelotes e tabardos, não se admitindo peças golpeadas, cores vivas, ornatos bordados ou jóias. Os mantéus e o calçado deveriam ser integralmente pretos[4].
Procurando fazer cumprir o estatuído nas “Constituições Sinodais”, cada novo bispo tinha a faculdade de regulamentar o trajo dos clérigos na sua circunscrição diocesana através de instrumentos de controlo actualizados como as “pastorais”. A cominação de vestes talares ao clero remontava pelo menos ao Concílio de Latrão (1215), posição reforçada pelas decisões emanadas do Concílio de Trento[5].
Por seu turno, os normativos proibitivos universitários promulgados em Salamanca e Coimbra não se distanciam do conteúdo dos estatutos mandados imprimir pelos reitores dos seminários diocesanos católicos dos séculos XVIII e XIX.
Vestes talares como lobas, garnachas, chamarras, tabardos, mantéus, capelos abertos e cerrados e barretes, já se usavam em Coimbra e em Salamanca no século XV, mas ainda não tinham adquirido feitio padronizado nem uniformização cromática. O preto coexistia com outras cores consideradas “honestas” como o castanho escuro, o roxo carregado, o azul escuro ou o cinzento. Na época considerada, os académicos de Oxford distinguiam-se pelo uso da “gona” (gown)[6] e os de Bolonha costumavam trazer tabardos escuros, lobas, gorros variados e mantos talares com romeiras de peles.
As peles de luxo, nomeadamente arminhos, como que configuram um marcante elemento de distinção entre o mundo ibérico e as sociedades além Pirinéus. Em Itália, França, Inglaterra, as pelarias de luxo eram usadas por universitários, juristas, alto clero e nobres. Em Portugal e Espanha, as pelarias finas não penetraram nas instituições universitárias e judiciárias, afirmando-se instrumento de prestígio do alto clero (murças de arminhos) e da realeza (mantos régios).
Na passagem do século XV para a centúria de quinhentos, os académicos de Salamanca usavam com regularidade os seguintes elementos vestimentários:

a) Loba pela meia perna, composta por sotaina com ou sem fileira de botões frontais, habitualmente sem mangas, e garnacha exterior com mangas fendidas ou de boca de sino;
b) Mantéu preto talar, podendo comportar uma romeira curta com capuz afunilado (ferreruelo);
c) Barrete preto quadrangular, sendo a copa ornamentada com dorsais e borla central(bonete);
d) Beca, longa faixa colorida, que se aplicava em V sobre o peito, ficando as duas pontas pendentes pelas costas quase até aos calcanhares. A faixa que pendia pelo ombro esquerdo tinha um anel circular ou rosca forrada do mesmo tecido, semelhante à presilha dos epitógios franceses (no século XV, em vez da rosca chegaram a usar-se gorros). Esta insígnia era distintiva dos colegiais;
e) Cinta, tira de pano da mesma cor da loba.

Depois vinham as muitas excepções ao modelo comum. Tal como em Coimbra, os estudantes regulares iam às aulas com os uniformes adoptados pelas respectivas ordens. Os de São Bento usavam uma túnica talar preta, de costuras plissadas, mangas largas, cogula e romeira fendida no peito. Os monges de Cister ou beneditinos reformados, vestiam túnica branca, com escapulário preto. Os eremitas de Santo Agostinho eram identificados pelos hábitos pardos. Os cónegos regulares de Santo Agostinho tinham hábito composto por sotaina, roquete branco, capa preta talar, romeira ou murça (muceta) e barrete. Os cónegos de Santo Antão vestiam habitualmente hábito preto com aplicação de cruz branca. Os trinitários tinham um hábito branco, com cruz azul e vermelha, chapeirão, capa e cogula. Os franciscanos envergavam túnica castanha cingida com cordão de nós e capuz. Alguns, como os franciscanos capuchinhos, acrescentavam uma meia capa sobre a túnica. Os dominicanos traziam ordinariamente hábito branco, capa e capuz pretos. Os carmelitas eram identificados pelas suas túnicas castanhas e capas brancas. Os membros da Companhia de Jesus optaram pelo clássico roupeta talar, cinto, capa preta de gola militar e barrete de quartos com dorsais e borla central[7].
Mas era nos colégios dispersos pela malha urbana que se observavam múltiplas combinatórias. O elemento mais vistoso era a beca, insígnia distintiva que também se usou em Coimbra até à extinção resultante dos Decreto de 31 de Maio de 1834 e de 16 de Julho de 1834 no Real Colégio de São Paulo-o-Apóstolo e no Real e Pontifical Colégio de São Pedro[8]. Ao contrário do que se poderia supor, a cor mais comum nas lobas dos colegiais, em Salamanca e em Coimbra, era o castanho escuro e não o preto.
Comecemos pelos colégios ligados às Escolas Maiores[9]:

-os colegiais de São Bartolomeu trajavam beca parda;
-os colegiais do Arcebispo, beca vermelho-escarlate;
-os colegiais de Oviedo, beca azul;
-os colegiais de Cuenca, beca violeta.

Passemos aos alunos dos mais sugestivos Colégios Menores:

-colegiais de Santa Maria de Burgos, com manto amarelo e beca violeta;
-colegiais de Órfãos da Conceição, sotaina branca e beca azul, sem barrete algum;
-colegiais de São Pelaio, sotaina e beca verdes;
-colegiais de São Pedro, manto azul e beca encarnada;
-colegiais dos Irlandeses, loba castanha, barrete e beca adornada de rosca;
-colegiais de Trilingue, becas amarelas.

Em Coimbra, Salamanca e Oxford, o traje académico era obrigatório desde o momento em que o candidato a estudante propunha matricular-se. Nenhum estudante se poderia matricular sem estar devidamente trajado com Loba, Mantéu e Barrete[10] (imposição abolida em Salamaca no ano de 1834 e em Coimbra em 1910, mas ainda vigente na Universidade de Oxford)[11]. No caso de Salamanca, o candidato à matrícula deveria mesmo apresentar um documento contendo a informação “Va arreglado en el Traje”. Breve, o esmero e asseio quedavam-se pelos estudantes do primeiro ano, pois os veteranos faziam gala na exibição de vestes pejadas de buracos e salpicos de vinho.

Alguma da diversidade anteriormente descrita pode visualizar-se em pinturas realizadas na Biblioteca General da USAL por Martín de Cervera no ano de 1614[12]. Nessas pinturas, relativas a aulas no estudo salmantino, se descontarmos os uniformes dos alunos monásticos (franciscanos, dominicanos, carmelitas, bernardos)[13], os estudantes não pertencentes aos colégios maiores e menores trajam as vestiduras comuns constituídas por Loba, Mantéu, calção escuro, meias-calças, calçado de couro e Barrete de quartos. Em termos cromáticos parece haver ainda alguma oscilação entre o preto carregado e o pardo, tendência que se matizará ao longo de seiscentos.
Liberalidade vestimentária, nem todos os estudantes envergam o barrete quadrangular (de “cuatro picos”), avistando-se em profusão o abeiro de feltro preto, dito “sombrero” em Salamanca e “chapéu de alguidar” em Coimbra[14].
Idêntico ao figurino descrito para Salamanca e Coimbra era também o postulado nos “Estatutos” da Universidade de Valladolid para a mesma época: Loba, Mantéu e Bonete castelhano, com interdição do sombreiro de abas largas, panos de seda, gorras moles, rendas e passamanarias, ressalvando-se os estudantes pobres que poderiam trazer carapuças e gorras (excepção que prevaleceria em Coimbra na passagem do século XVIII para o século XIX).
O estudante de humilde condição social e económica era designado por “capigorrista” ou “gorrón”, sendo vulgar em Espanha a expressão “comer de gorra”, em explícita alusão ao ritual da ingestão da sopa na portaria dos mosteiros.
Sobre o mantéu podiam os estudantes colocar o caipirote, um capelo de peitilho inteiriço, com um longo capuz dorsal afunilado, que tanto protegia das intempéries como permitia guardar comida, pergaminhos e materiais de escrita. Em Coimbra, os escolares humildes utilizavam um gorro escuro de tipo saco, nele guardando esmolas, comes, materiais de estudo, tinteiros e punhais.
O elemento do traje académico mais celebrado na cultura estudantil e popular era o mantéu, substantivo que esteve na origem da palavra “manteísta” (=”bonetista”), isto é, o académico que não tinha direito às becas (pensões) dos colégios. Os mais pobres, conhecidos por tunos e sopistas, costumavam prender colheres de pau nas vestes (“la cuchara”), anunciando a sua condição de mendicantes nos povoados e portarias dos mosteiros. A colher do sopista ibérico radicava na tradição medieval dos mendicantes e goliardos, constando de pinturas assinadas por Hieronymus Bosch. O mantéu prendia-se com dois cordões que os estudantes galanteadores aproveitavam para decorar com fitilhos e corpetinhos das amantes. A bainha raramente era pespontada, recebendo uma guarnição chamada “tirana”. Na tradição popular conimbricense cantava-se:

A capa do estudante
É um jardim de flores
Toda cheia de remendos
Cada um de seus amores.

Estudante bargante
Chapéu de alguidar
Com o sentido nas moças
Não pode estudar.

E em Espanha:

Las armas del estudiante
Yo te diré cuáles son:
La sotana y el manteo
La cuchara y el perol.

Desde que soy estudiante
Desde que llevo manteo
No he comido más que sopas
Con suelas de zapatero.

O traçar afidalgado, ou “terciado”, fazendo lançar uma aba da capa por debaixo do braço direito, era comum aos escolares de Coimbra, Salamanca e Valladolid. No século XIX passaria a designar-se em Coimbra este modo de traçar a capa estudantil por “capa à tricana”, em anacrónica confusão entre o mantéu académico e o mantéu da tricana (capa de ombros semelhante a uma saia).
Ao longo do século XVIII o trajo estudantil sofreu o impacto das flutuações da moda, particularmente a loba e o barrete. Em Coimbra, o barrete quadrangular e o sombreiro praticamente desapareceram, como que sorvidos pela generalização do gorro preto tubular dos escolares humildes. A loba traduziu os modismos romanos, ora sem mangas na sotaina, ora com mangões de boca de sino na garnacha, agora com uma só fileira de botões, mais tarde exibindo dupla fiada ornamental.
No que respeita a Salamanca, o velho “bonete” quadrangular ficou progressivamente reservado aos lentes portadores dos graus de bacharel, licenciado e doutor, de base preta e copa quadrangular sulcada de dorsais, borla central e franjados da cor científica.
Em Janeiro de 1766 o Rei Carlos III decretou a proibição de capa larga, sombreiro de abas redondas e quaisquer peças que facilitassem o embuçamento. No imediato, esta regulamentação conduziu a transformações no traje antigo, estando na origem do aparecimento da capa pela meia perna e do tricórnio preto de feltro à francesa.
Após os distúrbios polarizados pelo Motim de Esquilache, uma lei datada de dois de Julho de 1770 interditou o antigo sombreiro, impondo o tricórnio civil e militar. Entre a Real Resolução de 1773 e a abolição de 1834 o trajo usado nas universidades espanholas era composto por calções e meias altas, sapatos de fivela, loba de baeta, mantéu e tricórnio, salvo nos colégios onde permaneciam os modelos ancestrais. As diferenças relativamente ao modelo discente conimbricense eram pois insignificantes.
Contudo, entre o término do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX, a obrigatoriedade do tricórnio não impediu a adesão à moda do bicórnio preto de grande sucesso no período napoleónico. Os escolares sopistas ou caldistas cedo lhe fizeram pregar na aba revirada a “cuchara” ou colher de pau, elemento vulgarizado nos meios académicos desde a Idade Média para mendigar os alimentos [15].
Na passagem de setecentos para oitocentos, muitos tunos errantes e académicos em viagens a caminho de suas casas já não vestiam o austero uniforme clássico mas antes os “trajes de gentes”, compostos por camisa branca, casaca de abas, meias altas, calções e sapatos pretos de fivela (“hebilla”).
Na sequência das ocupações napoleónicas e das revoluções liberais, o governo de Espanha decretou em 1834 a abolição do Trajo Académico discente, sancionando uma situação de abandono que se arrastava desde finais do século XVIII. Na Universidade de Cervera, Barcelona, a iniciativa abolicionista seria firmada pelo punho do reitor D. José Hermosilla, que através de edital de 08 de Outubro de 1835 declarava abolido o porte obrigatório do Habito Talar.
Abolido oficialmente em 1834 o antigo traje estudantil, por décadas as tunas espanholas fizeram actuações sem qualquer trajo distintivo. Na segunda metade do século XIX fomentou-se o uso de fantasias nas tunas carnavalescas, como se pode observar numa fotografia da Estudantina de Santiago de Compostela captada em 1877, um ano após a sua apresentação no Carnaval de 21 de Fevereiro de 1876[16].
A sorte das fantasias carnavalescas tunantes seria jogada no Carnaval de 1878, quando foi organizada uma tuna, logo baptizada de Estudantina Espanhola, que actuou em Espanha e no dia 06 de Março de 1878 realizou espectáculos em Paris no Jardim das Tulherias. O fato carnavalesco adoptado pelos tunos era constituído por um traje eclético da primeira metade do século XVII, remetendo com alguma imprecisão para meias calças, sapatos de laço, calções presos abaixo do joelho, gibão liso, camisa com colarinho e punhos de folhos, capa fidalga e bicórnio de finais de setecentos.
A revista mundana “La Illustración Española y Americana”, de 15 de Março de 1878, dedicou uma áspera reportagem fotográfica à Estudantina Espanhola, mas a repercussão foi tal que rapidamente aquilo que começara por ser um efémero trajo carnavalesco se viu transformado em virtual “trajo académico dos tunos espanhóis”.
A moda dos fitilhos multicolores nas capas e instrumentos alastrou às universidades espanholas e a Portugal (ex: Córdova, foto de 1891) e aos países da América Latina (ex: Valparaíso, Chile, foto de 1891). Na sua visita a Portugal em 1888, a Estudantina Compostelana apadrinhou a Tuna da Universidade de Coimbra, cujos elementos adoptaram de imediato fitilhos no braço dos cordodones e no ombro da batina escolar. E a moda não tardou a popularizar-se nas emergentes tunas dos liceus portugueses ao longo da década de 1890, com os Liceus de Viseu, Évora ou Porto a consagrarem o porte do laçarote de pontas verdes no braço direito da batina.
Porém, o “traje académico de tuno”, sofreria diversas transformações ao longo do século XX. Durante a Guerra Civil de 1936-1939 a maior parte das tunas abandonou o porte do bicórnio. Um normativo publicado no “Boletín Oficial del Estado”, de 07 de Dezembro de 1955, normalizou o trajo dos tunos em todo o território do reino, impondo o uso de um laço da cor científica no braço esquerdo. Foi também nesta altura que se procedeu à reciclagem da antiga beca salmantina. Os tunos passaram a usar becas da cor científica, dobradas em V sobre o peito, mas com as pontas muito encurtadas pela linha da cintura, e admitindo emblemas bordados e crachás metálicos. A última grande transfornação ocorreria em Salamanca no ano de 1973, data em que o trajo oitocentista das tunas de carnaval foi substituído pelo trajo fidalgo do Século do Ouro: meias calças, sapato de chinelo, calções de bolbos e entretalhos, com o forro da cor científica, jibão de veludo com ombros tufados e golpeados, capa nobre e beca colorida pregada nos ombros[17].
Das tunas masculinas, as becas reinventadas na década de 1950 passariam às tunas femininas, não deixando mesmo de influenciar a movida tunante vivida na América Latina e no Portugal dos anos 1980-1990.
Relativamente a Portugal, influências espanholas mais explícitas parecem detectar-se nas tunas da Universidade do Minho (Braga/Guimarães), mas talvez se possam admitir de forma menos lisível na Infantuna de Viseu[18], no Real Tunel (Viseu), e nas tunas ligadas à Universidade do Algarve (Faro).
ANOTAÇÕES
O aprofundamento dos estudos comparativos Coimbra/Salamanca tem sofrido sucessivas melhorias graças à bondade e préstimos do Senhor Jerónimo Hernandez de Castro, do Gabinete de Protocolo da USAL.
[1] Cf. Ana Martín Villegas, “El Trajo Académico. Ritual y Símbolos. Ritual y Uso del Traje Académico”, comunicação apresentada ao Primeiro Encontro de Responsáveis de Protocolo das Universidades Espanholas, dias 06 e 07 de Março de 1996, Universidade de Granada. Edição on line em http://www.protocolouniversitario.ua.es/; Enrique Pérez Penedo, "La Evolución del Traje Escolar a lo largo de la Historia: desde el início de las universidades hasta 1835, año en que se decretó su disparición". Ponencia al Tercer Seminario Internacional del Buen Tunar, La Serena, Chile, Enero 2004, editado no peiróido on line "Ronda la Tuna", http://www.geocities.com/notitunas/.
[2] Leituras complementares em António de Oliveira Marques, “A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspectos da vida quotidiana”, 5ª edição, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1987, pp. 23 e ss. (O Traje); Gilles Lipovetsky, “O Império do Efémero. A moda e o seu destino nas sociedades modernas”, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1989, pp. 31-92.
[3] De acordo com as anotações de Francisco da Silveira Morais, “Estudantes & Lentes. Das tradições e costumes universitários em Portugal e no estrangeiro através dos tempos”, Coimbra, Tipografia União, 1930, p. 92.
[4] Veja-se, por exemplo, “Constituições Sinodaes do Bispado de Angra”, 1560, Título XVI (Da vida & honestidade dos Clérigos, da tonsura & hábito clerical, & vestidos & cores que hão-de vestir os clérigos). Transcrição em João Afonso, “O Trajo nos Açores”, Angra do Heroísmo, Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, 1987, pp. 40-42.
[5] Reverendo Bernard J. Ganter, “Clerical Attire. A Historical Synopsis and a Commentary”, Washington, The Catholic University of América, 1955, pp. 11-19.
[6] Informações disponíveis on line em “Academic dress of the University of Oxford”, http://en.wikipedia.org/wiki/Acdemic_dress_of_Oxford_University; “Academic Dress”, http://en.wikipedia.org/wiki/Acedmic_dress; “The Burgon Society”, http://www.burgon.org.uk/.
[7] Descrição conforme Jorge Campos Tavares, “Dicionário de Santos”, 3ª edição, Porto, Lello & Irmãos, 2004, pp. 171-174.
[8] Descrição e gravura em António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, “Escritos Vários”, 2ª Edição, Volume 1, Coimbra, AUC, 1987, pp. 202-204 e Estampa XXV, anexa à p. 199.
[9] Referências em D. António Ballesteros Y Beretta, “Historia de España y su influencia en la Historia Universal”, Tomo IV, Barcelona, 1927, p. 287.
[10]Estatutos” da Universidad de Salamanca de 1561, Título LXV (ditos Estatutos de Covarrubias).
[11] “Oxford requires matriculands to wear academic dress with sub-fusc during the cerimony. At Cambridge and Durham, policy regarding the wearing of academic dress varies amongst colleges”, verbete Matriculation, http://en.wikipedia.org/wiki/Matriculation.
[12] Luís Rodriguez Bezares, “Estudiantes de Salamanca”, Salamanca, Ediciones USAL, 2001, p. 60.
[13] Reprodução em Luis Bezares e Roberto del Rio, “Estudiantes de Salamanca”, Salamanca, Ediciones USAL, 2001.
[14] Desenhado numa água-forte de George Hoefnagel, de 1572, editada em Colónia (Civitatis Orbis Terrarum, 1599).
[15] Vejam-se as figurações do pintor Hieronimus Bosh em “O Viajante” (O Carro do Feno, El Escorial, Monasterio de San Lorenzo) e “O Viajante” ou “Filho Pródigo” (Roterdão, Museum Boymans-van Beuning).
[16] Nota histórica da Tuna Universtaria Compostelana, http://www.usc.es/tuna/.
[17] Descrição em Roberto Martínez del Rio, “Estudiantes de Salamanca”, Salamanca, Ediciones USAL, 2001, pp. 71-75.
[18] Informações sobre a origem desta tuna e trajo adoptado em João Paulo Sousa, “10 anos de Infantuna. Contributo para a memória de um fenómeno”, Viseu, Palimage Editores, 2002. Trata-se de uma obra pioneira na abordagem do fenómeno tunante académico português vivido após a Revolução de 1974. Em Outubro de 2006 o referido autor promoveu em Viseu um encontro que reuniu especialistas portugueses e espanhóis. Cf. ainda "Tuna Académica. INFANTUNA", http://www.estv.ipv/infantuna/-3k, e "IV Encontro Nacional de Tunos. Viseu, 13, 14 e 15 de Outubro 2006", http://www.iv-encontronacionaldetunos.com/. Há notas sobre o traje, cores e insígnias dos tunos da UMinho em "Afonsina", Tuna de Engenharia da UM", http://www.geocities.com/afonsina/, bem como em "Azeituna. Tuna de Ciências da Universidade do Minho", http://www.azeituna.pt-3k. Relativamente ao traje discente adoptado na Universidade do Algarve, existem informes no sites "Tuna Feminina da Universidade do Algarve/Traje Académico", http://www.ualg.pt/estudantes/tunas/fferventis/, e em "Tuna Académica da Universidade do Algarve/Traje", http://www.ualg.pt/estudantes/tunas/versus-2k. Sobre o REAL TUNEL Académico de Viseu, sua fundação (1991) e criação do trajo renascentista (1997), com boina, gibão de ombros golpeados, calções e faixas distintivas (azuis, amarelas, vermelhas), veja-se o site http://www.realtunel.com/bi/traje/htm.

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